Carcavelos em Belém! Patrícia Serrado
Há Vinho de Carcavelos em Belém! Patrícia Serrado, Mutante
A história deste generoso tem, agora, um novo capítulo, com o DOP Carcavelos 2021. Esta nova referência do portefólio da Adega Belém Urban Winery é feita a partir da casta Castelão vindimada na secular Quinta da Ribeira de Caparide.
Em 2013, Catarina Moreira e David Picard, enólogos e proprietários da Adega Belém Urban Winery, situada em Belém, Lisboa, tinham em mãos a elaboração de um trabalho de grupo centrado na cigarrinha, insecto que ataca as folhas das videiras, o que causa consequências nefastas na vinha. O objecto deste trabalho era a Adega Casal da Manteiga, localizada na outrora Quinta de Cima, em Oeiras, e pertença de Sebastião José Carvalho e Melo, mais conhecido por Marquês de Pombal, o impulsionador da produção do Vinho de Carcavelos no século XVIII. “Foi aí que conhecemos o [enólogo] Tiago [Correia], que nos ofereceu uma prova de fortificados. Pareceu uma bebida para pessoas de outra época. O vinho tinha uma concentração exuberante e frescura incrível! Na altura pensámos: ‘vamos fazer um DOP Carcavelos também’.”
Falar com Alexandre Lisboa, coordenador técnico do Projecto da Vinha e do Vinho Villa Oeiras, da Câmara Municipal de Oeiras, foi o primeiro passo dado por Catarina Moreira e David Picard. Para o casal de enólogos, “foi um dos grandes impulsionadores do renascimento do Vinho de Carcavelos, vinho histórico de grande renome, quase abandonado”, sublinham. A decisão em avançar para a produção de um Vinho de Carcavelos com a chancela da Adega Belém Urban Winery foi o passo seguinte. A ideia foi, desde logo, produzir um generoso feito a partir de uvas tintas, com um “carácter mais jovem, menos alcoólico e menos doces, mas igualmente complexo”.
Com o objectivo de vindimar uva em vinhas muito antigas, os proprietários da Adega Belém Urban Winery decidiram eleger a Quinta da Ribeira de Caparide, uma das propriedade seculares ligadas à história da produção do Vinho de Carcavelos, localizada em São Domingos de Rana, concelho de Cascais, e vizinha da freguesia de Parede, onde ambos residem em família. Depois de falarem com o senhor António, responsável de viticultura desta quinta, decidiram avançar para a vindima. “As uvas foram apanhadas à mão em Setembro de 2021”, ano fresco e ventoso, dois factores que contribuíram para a “longa maturação e uma muito boa saúde das uvas”, explicam.
De acordo com a legislação do Instituto da Vinha e do Vinho, as uvas, neste caso da casta Castelão, foram desengaçadas na Adega Casal da Manteiga e submetidas à fermentação espontânea numa dorna de 1.000 litros. Esta foi colocada a uma distância considerável da adega, uma vez que o casal de enólogos optou por leveduras selvagens em detrimento de leveduras de cultivo. Pisa a pé, “punch-down duas vezes por dia” e adição de aguardente da Quinta do Rol, propriedade vitivinícola localizada em Miragaia, no concelho da Lourinhã, a única região demarcada do país e da Europa para a produção exclusiva de aguardente vínica com Denominação de Origem Controlada, “misturando assim os dois líquidos que seriam assim casados para o resto das suas vidas”.
Catarina Moreia tem em mãos a responsabilidade maior da enologia na Adega Belém Urban Winery, da qual também é fundadora
A dorna seguiu viagem rumo à Adega Belém Urban Winery. “Foi como uma procissão triunfal, muito devagarinho, numa manhã de céu azul, com as praias da linha já não cheias, o oceano a olhar para o vinho e a se perguntar os que esta a fazer ali em cima da velha carrinha.” Percorrida a rua do Mosteiro dos Jerónimos e do Palácio de Belém, a carrinha pára em frente à porta da adega, onde foi transferido para uma cuba em inox, onde permaceu oito meses, “para extrair os últimos taninos da pele das uvas, para amplificar ainda mais o rubi profundo, brilhante, e o corpo e os amargos”.
No final da Primavera de 2022, Catarina Moreira e David Picard fazem a trasfega do vinho para duas barricas de carvalho francês renovadas. “Lá ficou por dois anos. Impacientes como nós somos, provamos, voltámos a provar, adorámos e decidimos lançar um primeiro lote no fim do tempo regulamentar de estágio.” A este seguiram-se oito meses de estágio em garrafa. Conclusão: todo o processo foi feito como manda a cartilha da produção de um Vinho de Carcavelos.
O resultado é o que se vê, sente e se bebe de um copo de DOP Carcavelos 2021 (€35), um vinho para guardar os anos que forem necessários até atingir o auge. Para já, denota “um perfil complexo dominado ainda por frutos pretos e vermelhos frescos, em particular cereja e ginja, um toque de amêndoa e eucalipto”. O prolongamento de estágio em garrafa vai determinar a evolução deste fortificado, com vista a desenvolver notas “de especiarias, cravo da Índia, cardamomo, anis estrelado, ameixa concentrada e mais estrelas nos olhos dos que bebem este vinho”, afirmam ambos, felizes com este trabalho, que pode abrir espaço a diferentes tipos de Vinho de Carcavelos.
“Adoramos a nossa pequena comunidade, um núcleo ainda pequeno de produtores de Vinho de Carcavelos, cada um com uma ambição própria, uma maluquice criativa e um perfil sensorial que confere individualidade a cada produto”, salientam Catarina Moreira e David Picard.
Brindemos!
Patrícia Serrado © Fotografia: João Pedro Rato